Valquíria – (3) A voz


Valquíria – (3) A voz

Passaram alguns dias desde que soube que não podia efetuar o regresso a terra por insuficiência de combustível na minha nave espacial. Recordo-me de ter subido a uma escarpa altissima e de ter sido guiado em segurança no regresso por uns pequenos insetos voadores e luminosos a fazerem lembrar os nossos pirilampos. Mas o maior mistério foi o da voz que juro ter escutado a pronunciar o meu nome “Nuno”.

Hoje resolvi voltar à nave espacial. Abri a porta não liguei os equipamentos porque era escusado nem era essa a minha intenção. Recordo-me de ter acordado no chão ao lado da minha nave no dia seguinte ao da subida á escarpa. Devia estar tão exausto com o esforço físico e a ausência de ânimo que todo o fulgor de vida resolveu separa-se de mim pelo menos até ao dia seguinte após ter despertado no chão.

Mas o que interessa neste momento é que esse primeiro impacto já passou. Resolvo fechar os meus olhos grato ao universo por não ter desfalecido de vez nesse dia tão dramático. Soube-me bem estar assim de olhos fechados e cabeça recostada no banco da nave espacial que se encontra estacionada neste planeta tão distante do saudoso planeta Terra.

“Nuno” Voltei a ouvir. Num ápice abri os olhos e tentei localizar a voz dentro da minha nave espacial.
Procurei, procurei em todas as direções mas não consegui ver ninguém. “Nuno” volto a ouvir.
“Sim sou eu. Onde estás?”. A voz feminina respondeu. “Neste momento estou dentro da tua nave mas posso estar onde tu quiseres”. Ai eu respondo “Ai sim.”, Abandono a nave e corro para a rua. Afasto-me até alguns vinte metros da nave, resolvi abrir os braços e dizer bem alto. “Estou aqui agora”. E a voz feminina responde exatamente como se estivesse ao meu lado. “Sim eu sei Nuno. Eu estou ao teu lado embora não me estejas a ver”.

Pergunto então: “E como é que isso é possível?”. A voz feminina responde: “É uma história longa. Talvez seja melhor entrares e sentares-te na tua nave”. Entro na nave e sentei-me no banco do piloto. Tentei colocar-me o mais possível a vontade mas acho que nunca consegui. Muito estranho esta situação de uma voz que fala sem ter um corpo físico atribuído. Faz lembrar ficção ou mais preocupante faz lembrar demos e espíritos vagueantes. “Estou aqui”. Respondi eu”. A voz feminina prossegue: “Nuno, você recebeu um Alerta 3 porque neste momento há uma sublevação no planeta Terra”. Resolvi perguntar: “O planeta Terra está em guerra é isso?”. A voz respondeu: “Exato”.
Confuso e desanimado respondi: “Fantástico, fui destacado para um planeta distante para tocar piano e levar mensagens de paz e harmonia para todos os povos que estejam à escuta na galáxia. Recebo um alerta três e agora uma voz feminina que pode até ser uma gravação ou um holograma vem-me dizer que o planeta terra está em guerra”. Resolvi abandonar a minha nave, deixar a voz e tomei o caminho que me leva ao piano. Cheguei ao piano e resolvi iniciar as melodias de hoje. Resolvi fazer aquilo que faço todos os dias. Tocar, esperar que algures num ponto da galáxia alguém possa escutar a música e perceber que queremos confraternizar. Quando queremos é tão fácil simplificar.

Toco displicentemente quando a voz feminina volta a marcar a sua presença: “Nuno…”
Parei de tocar o piano baixando a cabeça em sinal de desagrado ou simplesmente em sinal de reprovação por ter sido interrompido exatamente na minha melodia preferida e fui construindo e acrescentando harmonias ao longo dos anos. A voz continuo: “Eu estou aqui para te ajudar e para te por ao corrente de tudo aquilo que se está a passar no planeta Terra”. Respondi: “E estando eu tão distante do planeta Terra que segundo dizes até está em guerra, porque haverias tu ou alguém de querer ajudar-me?”. A voz feminina respondeu: “Porque tu também me podes ajudar.” Não é meu costume nem era meu costume quando vivia na Terra levantar a voz quando falava com outras pessoas. Mas resolvi fazer isso agora: “Mas quem és tu afinal?”

A voz responde: “Escuta. O planeta Terra está em guerra porque a espécie humana evoluiu de Homo Sapiens para Homo Cósmicos. E as pessoas da geração anterior sublevaram-se por não aceitarem isso. As pessoas nascidas recentemente são muito evoluídas e curiosamente já não nascem dependentes de um corpo físico o que sempre aconteceu no passado e no teu tempo Nuno.”.
Respondo: “Isso é confuso”: Mas a voz continua: “Não Nuno. A essência do ser humano no passado e no presente é exatamente a mesma. Energia. Nós somos energia, e é exatamente essa energia que nos distingue uns dos outros. Só que agora já não precisamos de um corpo para aprisionar a energia de que somos feitos. Atualmente os pensamentos podem até criar matéria quando antes já criavam situações. Evoluímos Nuno. Atualmente somos feitos de energia e perceção. Esta guerra no planeta Terra irá terminar muito em breve. Os humanos mais retrógrados acabaram por aceitar esta nova forma de vida que implica uma transformação radical. Os governos, a politica, a economia deixaram de existir da forma que os conhecemos agora.”

Respondi: “Então tudo se resume a energia. É por isso que só ouço a tua voz sem ver o teu corpo é isso?”
A voz responde: “Exatamente Nuno”.
Pergunto: “Mas afinal de contas quem és tu”

A voz responde: “Eu sou a Brigite, uma pessoa humana que já faz parte da nova geração ‘Homo Cósmicos’. Ao conectar-me com o meu ser superior a minha intuição revelou-me algumas coisas a teu respeito. Á música que tocavas quando te interrompi deste o nome de Valquíria. Valquíria foi a tua companheira. A vossa relação deve ter sido a coisa mais bonita que te aconteceu na tua vida passada no Planeta Terra antes de aceitares esta missão. Consegues ser feliz e prosseguir na tua missão porque a tens presente quando invocas o seu nome. Ela está nos teus olhos, ela habita nas tuas memórias. Às vezes é ela que faz os teus dedos passearem-se pelas oitenta e oito teclas do teu piano Steinway.”
Digo comovido: “Sim de facto assim é.”
E pondero: “Mas se fazes parte de uma geração mais evoluída custa-me a crer que não possas ter um corpo.”

A voz que tem por nome Brigite responde: “Sim posso ter um corpo mas por breves instantes pois a materialização consome oitenta a noventa por cento de toda a energia que dispomos. A reposição dessa energia é muito morosa pelo que irei aparecer à frente do teu piano por escassos segundos.”
De fato por breves instantes pude ver uma rapariga de olhos grandes e bonitos cabelos. Eram tão longos que caiam tapando-lhe os seios. A zona inferior ao umbigo estava escamoteada pela estrutura do piano.

Resolvi perguntar: “Pareceste-me muito nova. Em idade Terrena quantos anos tens?”
Ela responde e prossegue: “Vinte e cinco anos em idade terrena. Olha. Lembras-te de teres subido ao penhasco alto naquele dia triste e escuro? Eu encarnava um dos pirilampos que viajávamos em grupo. Fazemos esse tipo de viagens tentando descobrir vibrações intensas e positivas numa tentativa de nos ajudar-mos e protegermos. Queremos que a atual espécie humana colonize novos espaços, novos planetas. Assim que a guerra no planeta Terra terminar esta será referenciada como um lugar de cura. As espécies vegetais e animais e toda a Natureza que lhe é adjacente irá ser reposta. Mas queremos colonizar novos mundos para que a geografia não nos limite. E tu com o teu piano bem como todos os outros músicos que aceitaram estas missões pertencem precisamente á fase um deste projeto.”
A voz que se chama Brigite e que só por breves segundos teve um corpo atribuído prossegue: “Mas tu e eu temos uma coisa em comum. Foi por isso que te procurei.”

Respondi: “Então diz-me”.
“À muito tempo que capto a vibração da musica que fazes. A resistência de que faço parte e pretende avançar com o fim da guerra no planeta Terra captou vibrações idênticas de um rapaz de vinte e cinco anos. Esse rapaz foi localizado por nós num Hotel arruinado pela guerra na praia de São Martinho do Porto mas agora está desaparecido. Furtivamente ele costumava entrar no Hotel vazio e danificado para tocar piano e já não é visto á uns dias. Pelas minhas contas Nuno ele é teu Neto. Descobri isso porque ele deve sentir as vibrações das tuas musicas e ele quase que as repete ao toca-las. Para eu voltar a encontrar esse rapaz preciso que ele volte ao Hotel para tocar a música Valquíria. Ele sabe que a avó dele se chamava Valquíria e se ele vir as pautas com a tua assinatura ele vai ter um motivo para viver porque vai descobrir que ainda tem família e não está sozinho. Não queremos que ele ande fugido queremos que ele faça parte da resistência e se sinta feliz na reconstrução do planeta terra.”

Pergunto: “E como se chama o meu Neto?”
Brigite responde: “Chama-se Nuno como tu”
Adianto: “O meu neto vive então algures em São Martinho do Porto. Ao pé do mar. Valquíria adorava o mar e eu também. Quem me dera estar agora em São Martinho do Porto com o meu neto. Rodeados do mar e de gaivotas. Rodeados de velhas memórias a serem recordadas e repassadas num velho piano de Hotel. Quem me dera.”

Digo-lhe conclusivamente: “Muito bem vou começar a escrever as pautas da musica Valquíria que dediquei á avó dele para ele tocar.”

A voz de Brigite responde: “Obrigado sabia que podia contar contigo. Então a partir de hoje vou transformar-me num colibri e folha a folha irei entregar todas as pautas da música Valquíria. Irei coloca-las naquele velho piano de Hotel. Ele irá aparecer e vai adorar.”




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Foto: Light girl sunshine, Sun woman sunset. Image by pxhere.com




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