Aurora Boreal

 

E num ímpeto ele colocou a mochila ás costas e rasgou a noite em busca da aurora boreal. Todas as noites subia colinas monologando com as estrelas. Sorria para elas identificando todas as constelações com um sorriso. Mesmo quando chovia copiosamente ele percorria longas distâncias ansioso por montar o tripé e a máquina fotográfica. A Aurora boreal devia de andar por ali algures. Queria mostrar aos amigos, aos filhos e aos futuros netos as fotos exclusivas, fruto do seu encontro arrojado com a sorte e com a complacência dos Deuses.

Mas a sorte vai tardando e as botas rasgadas permitem que os pés beijem dolorosamente as pedras e as irregularidades do terreno. Há muito que os pés sangram dolorosamente. As costas mostram-se enfadadas por terem de transportar a mochila que embora pequena vai duplicando o seu peso para o mesmo conteúdo.

No seu melhor apenas conseguia fotografar a ursa maior com o seu traje de frigideira e a ursa menor com o seu traje de papagaio de papel. Da aurora boreal nem um vislumbre.

A sua tática mostrava-se duvidosa. A estrela polar é visível de qualquer ponto do planeta mas as auroras boreais terão de ser procuradas junto das regiões polares que distam milhares de quilómetros dos vales e montes que ele tem vindo a calcorrear.

Cansado, esfomeado e débil resolve voltar com o vazio dentro dele. Sem nada para mostrar aos filhos e aos futuros netos. Por vezes temos de desistir. Será? Pergunta ele questionando as estrelas que nunca perderam o brilho.

O regresso agora é mais longo do que tudo o que já percorreu durante a vida. Senta-se junto a uma árvore possante cuja quantidade de ramos o impede de ver as estrelas. Ia para se levantar e procurar  abrigo junto de outra árvore que lhe permitisse ver as estrelas.

Mas…

Eis que esta mesma árvore ergue os seus ramos e começa a tocar violino. Uma árvore que toca violino tão eloquentemente… Como é possível? Mas a sua visão e a sua audição confirmam. Esta árvore toca virtuosamente violino. O pranto transforma-se agora em longos sorrisos de contentamento e de gratidão.

Acorda de manhã debaixo da mesma árvore que tocou violino durante toda a noite. Ele resolve colher frutos silvestres para se alimentar e foi até um ribeiro próximo para saciar a sua sede. Aguardou ansiosamente por mais uma noite. E quando todas as estrelas despontavam sorrisos no céu a árvore voltou a tocar violino de forma veemente.

Está decidido… Existem constelações com todos os formatos. Formato de Leão, formato de peixes, formato de carneiro, formato de cruz, formato de centauro. Agora só tenho de procurar uma constelação com o formato de sapatos.

Vou voltar a casa mas não irei sozinho. É necessário arranjar uns sapatos para a árvore que toca violino.

 


 

2022 © Copyright Vítor Casado

 19-03-2022

Photo by MalaikaUbuntu from PxHere

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