Valquíria - (2) Sem Retorno
O meu piano Steinway continua a ecoar sob os imensos vales
deste planeta. Longas melodias são produzidas pelo trabalho das minhas mãos.
Dedos afoitos e por vezes apressado deambulam pelas oitenta e oito teclas
brancas e pretas. Ofertando um sonoro e acolhedor ambiente que esperamos possa
viajar transportando mensagens de paz a outras galáxias.
Recebi um Alerta 3 no meu intercomunicador. Um alerta 3
significa estar preparado para regressar á terra. Recebi com algum agrado este
alerta pois há muito tempo que não recebo mantimentos do planeta mãe. Tenho
sobrevivido graças as minhas plantações que têm germinado copiosamente e ao meu
viveiro aquífero que contém algumas espécies de bivalves carnudos e proteicos
para além de uma variedade de algas coloridas e saborosas depois de preparadas.
Digiro-me para a minha nave que está estacionada no sopé da
montanha, na orla em que a paisagem desiste de ser plana para começar a subir
em direção a um labirinto de estrelas e planetas ainda quase desconhecidos da
espécie humana.
Retiro a capa de alumínio que protege a nave. Tem uma camada
grande de poeira lunar. Entro no seu interior e ligo os equipamentos que já não
eram ativados a mais de três anos ou seja desde a última vez que fiz uma
manutenção na minha nave espacial. Confirmo uma mensagem alerta 3 enviada da
terra a mesma que recebi no meu intercomunicador de pulso e que me trouxe até
aqui. Analiso as leituras do painel de instrumentos e eis que:
Algo de errado se passa. O combustível é insuficiente para
voltar ao velho planeta terra. Como é isto possível? Revejo os relatórios de
voos anteriores e de facto enquanto eu estava em sono delta a nave por algum
motivo eventualmente para se afastar de um ou mais obstáculos alongou
significativamente o seu percurso em aceleração. Tal e qual como se quisesse
esquivar a algo á deriva e tivesse pressa de chagar a um destino.
Estou em apuros não sei o que fazer. Uma sensação indesejada
de pânico percorre o meu corpo deixando um travo amargo na garganta permanente
a partir de agora. Sinto-me pequeno, insignificante. Incapaz de resolver a
situação. Apercebo-me que devem ter passado umas três horas e ainda estou
dentro da nave a confirmar leituras. Fazendo simulações de rotas que por falta
de combustível não me irão levar a lado nenhum. Sinto-me desgastado.
Não adianta. Nada adianta. Desligo os equipamentos. Fecho a
nave e cambaleio até ao exterior. Será este o meu fim? Depois de décadas
terrenas a tocar aqui piano, a produzir aqui Harmonia. Será este o meu fim?
Sem rumo e sem decisões que possa tomar os meus pés fazem um
percurso que se insinua na direção da montanha. Não faz sentido porque subir a
montanha é afastar-me de tudo. Afastar-me do sítio onde habito, afastar-me da plataforma
onde costumo tocar o meu piano. Subo algumas plataformas de terra e rocha
áridos mas a minha vista nada alcança para além de mais montes e plataformas de
terra e rocha que apenas podem ser subidas ou descidas. Triste fim na rotina de
tocador de piano ao serviço do universo. Triste fim porque acabo de tomar a
decisão de já não descer. Acabo de tomar a decisão de seguir em frente e não
mais olhar para trás. Os meus pés fazem-se a trilhos que desconheço. Pela
quantidade de suor que tenho vindo a sentir percebo que já caminhei bastante
neste piso ingreme de rocha grande e desamparada. Esta subida é inóspita neste
momento tudo é inóspito. Estou exausto cheguei ao ponto mais alto e por
estranho que pareça senti saudades dos meus dedos a passearem-se pelas oitenta
e oito teclas do meu piano Steinway. Porquê? Porque no alto deste penhasco tudo
é escuro. A pedra, o céu e o precipício têm todos a mesma cor. A cor da
escuridão e do vazio. A decisão está tomada vou continuar de olhos fechados até
os més pés perderem o terreno ou a pedra no curto caminho até ao precipício.
Dou o primeiro passo e um estranho zumbido chega até aos
meus ouvidos. Experimento abrir os olhos tão pesados que nunca os senti assim.
E fantástico. Fantástico e luminoso. Um enxame de pirilampos cerca-me e
ilumina-me eles voam e rodopiam em meu redor. Experimento agarrar um ou dois estendendo
a minha mão e eles vêm poisar na minha mão continuando a zumbir e a iluminar levantam
voo e repetem-se brincando, avançando e recuando. Quem me dera ser um destes
pirilampos agora. Ter o dom de estar iluminado para poder iluminar e voltar a
ser um ser vivo digno de poder viver, digno de poder sorrir e até talvez brincar.
Os pirilampos parecem dispersar-se agora. Uns quantos apressam-se
para o trilho que me trouxe até aqui ao ponto mais alto. Resolvi esvaziar a
mente não me julgar a mim nem nenhuma situação resolvi seguir este punhado de
pirilampos que abrem caminho á minha frente. Durante a descida detenho-me
porque ouço o meu nome a ser pronunciado por uma voz feminina “Nuno”. Uma voz
tão clara tão sonora que não pode ter sido elaborada pela minha imaginação. Olho
para a frente e apenas visualizo um único pirilampo. Decido estar mais alerta e
decido continuar a segui-lo. Curiosamente acabou por me trazer até junto da
minha nave.
2020 © Copyright Vítor Casado
Foto1: Paisagem noturna com via lactea e silhueta de um homem. Image by br.freepik.com
Foto2: Small world small planet. Image by PIRO4D from pixabay.com
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