Valquíria - (1) A chegada
Devem ter passado sessenta ou setenta anos em que a minha
nave espacial orbitou algumas Galáxias vizinhas e desconhecidas. Acordei do
sono delta um pouco sobressaltado. Com poucas informações sobre o planeta exato
para o qual me dirijo. Fico preocupado não sei porque não me lembro de ter
aceite esta missão. Na anterior missão prometi a mim mesmo que essa seria a
ultima missão. O tempo cá em cima passa devagar mas na terra por cada missão
nossa passam pelo menos duas gerações. Ou seja na minha anterior missão a minha
descendência já se desenvolveu por filhos e netos. Agora com esta nova missão
mais duas novas gerações irão suceder-se no velho planeta terra. Deveria ter
desistido para conhecer os meus netos enquanto eram adolescentes. Aqui no
espaço a minha idade e o aspeto físico serão quase sempre os mesmos. Sem
mutações mas se desistir das missões para voltar ao velho planeta o
envelhecimento é inevitável. Mas de que serve a eternidade se ela nos priva dos
nossos filhos, dos nossos netos, bem como de todos ou outros familiares e
conhecidos? Não me lembro mesmo dos contornos que me levaram a aceitar esta
missão. Efeitos secundários do sono delta? Talvez. Espero daqui por uns dias
perceber melhor como tudo se passou.
Existem três tipos de missões, cientificas, colonização e
comunicação da nossa espécie. Optei sempre pelas missões de comunicação da
nossa espécie. Os únicos requisitos eram saber tocar um instrumento musical e
suportar a solidão até á exaustão. Se bem que na hora de ponderar tal decisão ficamos
quase convictos de que saber tocar um instrumento musical nos irá impedir de
conhecer a solidão até à exaustão.
Cheguei a este planeta nestas condições. O intuito é tocar
oito a dez horas. Impossível dizer que serão oito a dez horas por dia porque
aqui no espaço dependendo do sítio da Galáxia poderá não haver o conceito de
dia e noite tal como nós o conhecíamos. Mas o intuito da missão será o de tocar
harmoniosamente para propagar ondas musicais que irão viajar pelo universo e
irão mesmo testar as fronteiras intergalácticas para comunicar-mos com outros
seres que possam coabitar o imenso espaço interestelar. A mensagem a transmitir
na forma musical será sempre uma mensagem de paz e de colaboração com os nossos
eventuais vizinhos.
No primeiro momento em que aqui cheguei, após ter desligado
os motores da nave espacial e ter aberto a porta, pude contemplar um vasto vale
acastanhado no puro tom de ocre. Um olhar para cima devolvia-nos um escuro de
céu noturno com imensas estrelas a despontar. Mas cá em baixo o planeta é
iluminado por um sol diferente do nosso, não estando visível a partir deste
vale. Apenas a sua luz branca inunda a superfície do planeta com algumas
montanhas recortadas no horizonte. No centro do vale a equipa cientifica
instalou previamente uma pequena habitação retangular com viveiros de produção
de alimentos e um pequeno palco nas imediações onde um piano Steinway &
Sons espera ansiosamente que o ânimo de duas mãos façam vibrar as suas cordas
para a produção de melodias que irão viajar pelo espaço interestelar á
velocidade da luz. E que retorno? Que retorno irão ter essas melodias? Irão ser
escutadas por alguma civilização próxima ou distante? De momento não sei mas é
por isso que aqui estou.
2020 © Copyright Vítor Casado
Foto: Small world small planet. Image by PIRO4D from pixabay.com
Comentários
Postar um comentário